A UEFA havia criado a Copa dos Campeões da Europa na temporada 1955-56. Os campeões de cada país na temporada anterior iam se enfrentando em “mata-matas”, “ida-e-volta”, se houvesse empate em pontos classificava o time com melhor saldo de gols. Caso empatassem no saldo, os gols marcados na casa do adversário contavam em dobro, era o “gol qualificado”. Os adversários e os locais dos jogos eram sorteados ao término de cada rodada. A grande final era sempre disputada em jogo único, numa cidade determinada pela UEFA antes do torneio começar. A Libertadores começou em 1960, tendo o Peñarol (com um time herdado por Roberto Scarone de Béla Guttmann) como primeiro campeão.
O Real foi pentacampeão europeu derrotando, sucessivamente o Stade de Reims (onde descobriu Raymond Kopa, o maior jogador do futebol francês, com as devidas vênias a Michel Platini e Zinedine Zidane), Fiorentina, Milan, Stade de Reims de novo e o Eintracht Frankfurt. Contra os alemães, jogo disputado em Glasgow, o placar foi de incríveis 7 x 3. Puskas marcou 4 gols e Di Stéfano os outros 3. No YouTube tem o jogo e é possível ver a enormidade do futebol de Alfredo Di Stéfano (completamente careca) e Ferenc Puskas (baixinho, gordinho, parecendo um barrilzinho de cachaça, desses que todo mineiro guarda na sala de visitas com orgulho).
Contudo, a idade ia pesando para Di Stéfano e Puskas, que quatro anos ou cinco anos depois deixariam de jogar futebol e se tornariam vitoriosos técnicos em vários países do mundo. Puskas, entre outras, conseguiu a façanha de dirigindo o Panathinaikos da Grécia, chegar à finalíssima da Copa dos Campeões da Europa. Só perdeu um jogo, logo o último, era a sua sina, contra o Ajax de Amsterdam, que tinha um jovenzinho chamado Johan Cruijff no comando do ataque e que acabou com a pretensão dos gregos em Wembley.
Quando caiu o comunismo na Hungria, Puskas voltou. Muito bem de vida com “la Plata” que angariou no futebol, passava o dia na sede do Honved, onde recebia os torcedores, contava histórias e se recordava de Bozsic (que conheceu na infância, moravam numa casa em frente da outra, e se apresentaram juntos para testes no Honved), Kocsis, Hidegkuti, Czibor, Sebes, Guttmann, Kopa, Del Sol, Di Stéfano, Gento e Santiago Bernabéu. No verão, calçava um mocassim marrom velho e sem graxa há anos, vestia uma bermuda que deixava à mostra as gordas coxas e uma camisa polo que, quando ele sentava, expunha a sua proeminente barriga. No inverno, um grosso sobretudo, luvas e um gorro de pele de raposa. Aos domingos, não perdia um jogo no Estádio Nacional da Hungria, que naquele ano passou a se chamar Estádio Ferenc Puskas. Assim que os alto falantes anunciavam sua presença na Tribuna de Honra, a torcida inteira ficava de pé e o aplaudia e gritava seu nome por mais de 5 minutos.
Quando morreu, em 2006, foi velado no Ferenc Puskas. Os húngaros acorreram em massa e seu féretro parou Budapeste. Entre as milhares de coroas de flores que chegaram ao local, a mais bonita era assinada por Dom Alfredo Di Stéfano.
Apesar dos 7 a 3 contra os alemães, a temporada não havia sido fácil para os merengues. O campeonato espanhol, sempre importante, e a Copa do Rey (que se chamava Copa do Generalíssimo, num puxa-saquismo ao ditador Franco) tinham sido papados pelo grande rival Barcelona.
O Barcelona, antes de contratar Kocsis e Czibor, já tinha um outro húngaro que encantava o mundo, chamado Kubala. Filho de um polonês e duma tcheco-eslovaca, que se conheceram na Universidade de Budapeste, Kubala assombrava as ruas da cidade nas peladas de todos os dias. Foi, ainda muito jovem, contratado pelo Ferencvaros. Tornou-se um fenômeno. Convocado para o serviço militar, desertou e fugiu para Bratislava (atual capital da Eslováquia, que, com o fim do comunismo, se separou da República Tcheca), onde jogou no Slovan, o time local da terra de sua mãe. Como a então Tchecoslováquia era um “país irmão” da Hungria, ninguém deu importância. Inclusive, depois de jogar na seleção húngara, envergou a camiseta da seleção tcheca. Só que – sempre tem um só que – foi convocado para servir ao exército tchecoslovaco. Mais uma vez, não quis saber, pegou um trem para Viena e fugiu para o ocidente com a esposa e o sogro viúvo. O sogro era o técnico do Slovan Bratislava e se chamava Ferdinand Daucik, havendo sido jogador da seleção da Tchecoslováquia nas Copas de 1934 e 1938 (em 1934, foi vice-campeão do mundo, perdendo a final para a Itália). Assinou com um time italiano, mas não entrou em campo. As federações da Hungria e da Tchecoslováquia foram à FIFA.
Precisando de dinheiro para viver, convidou o sogro para ser técnico do “Hungaria”, um time que fundou com outros jogadores que haviam fugido de vários países comunistas e viviam na Itália como ele. Proibidos pela FIFA de jogar profissionalmente, se exibiam contra equipes amadoras italianas e dividiam a renda dos jogos entre si. Depois de longas negociações, o Barcelona mandou seus emissários para falar como o PC da Hungria e, acertados os ponteiros, Kubala foi apresentado no Camp Nou. Como Di Stéfano, também jogou numa terceira seleção, a espanhola.
Como jogador, era o Rei do Barça. O que dizia os dirigentes do Barcelona acatavam. Logo que chegou, o técnico foi demitido e ele procurou os dirigentes para indicar o sogro, que estava em casa sem fazer nada. O Barcelona topou. Foi ele, também, quem pediu para que contratassem Kocsis e Czibor. Só não pediu o Puskas porque seria ele o reserva, jogavam na mesma posição. Continue lendo →