Gente em tempos sombrios

Dizem que vivemos a maior crise depois da Segunda Guerra. Não conheci a Segunda Guerra: ela é tão antiga que me colheu nos primeiros anos de vida.

Isso não me impede de comparar. Para o Brasil, creio, a Segunda Guerra foi menos devastadora que a pandemia do coronavírus. Perdemos 471 homens e tivemos 12 mil feridos. Nesta semana, a pandemia já alcança 200 mil casos e ultrapassa as 15 mil mortes.

Na Segunda Guerra, Vargas demorou mas acabou encontrando o rumo, e o Brasil se colocou do lado certo no conflito. Bolsonaro subestimou a importância do vírus e, infelizmente, não alterou sua posição diante dos fatos, recusando-se a desenvolver uma política nacional e solidária.

Isso configura uma tempestade perfeita. Tanto na guerra como na pandemia, escolhas erradas nos levam ao pior dos mundos.

Mas não adianta chorar. Sempre me interroguei sobre como sobreviver no pior dos mundos. Não tive respostas definitivas.

Lembro-me de que estava cobrindo a chegada dos refugiados albaneses numa praia italiana, no fim do regime. Na multidão que saía do navio, vi um casal vestido modestamente, mas com muita elegância. Pareciam tranquilos e felizes. Imaginei que eram ligados por um profundo laço amoroso, e isto os ajudou a atravessar o pesadelo do regime autoritário de Enver Hoxha.

Mais tarde li “Homens em tempos sombrios”, de Hannah Arendt. Ali era a coragem intelectual diante do stalinismo e do fascismo que despontava como elemento essencial na sobrevivência.

Finalmente, quando li os escritores cubanos dissidentes, muitos perseguidos e aniquilados, outros resistindo através de sua literatura, cheguei a uma nova conclusão.

Creio que a expressei numa introdução ao livro do poeta Raúl Rivero, cuja saída de Cuba para a Espanha acompanhei, tentando apoiá-lo também do Brasil. Nesse caso, a sensualidade inspirada no cotidiano do próprio povo pareceu-me um fator de sobrevivência e de recusa à mediocridade burocrática.

Apesar de tantas indicações na experiência de vida, a tempestade perfeita me colhe numa situação singular. Será necessário inventar porque, apesar das experiências terríveis dos outros, nenhuma das outras tempestades perfeitas apresenta os ventos, trovões e raios como a nossa. A água que aqui transborda, não transborda como lá.

Estamos diante de um inimigo invisível. Muitos de nós somos do grupo de risco. A energia popular está distante porque fomos confinados. No passado, ouvia bater de panelas. Agora, nem isso. De vez em quando, alguns gritos ao longe, ou mesmo a voz de crianças empinando pipas no sol de outono.

O governo é de extrema direita. Ainda há liberdade de criticá-lo, mas na solidão virtual. Nos anos 60, fervilhavam as assembleias, uma corrente fraternal eletrizava os opositores, amores brotavam no asfalto como as flores do poeta.

Na semana passada, preparando-me para uma live com o embaixador Marcos Azambuja, escrevi um artigo sobre as características gerais dessa tempestade: ecologia, política externa, experiências históricas de negação da realidade.

Ao concluir o artigo preparatório, cheguei à conclusão de que era preciso aos poucos responder para esta época a pergunta que me intrigava em outras épocas e lugares.

Não sou adepto da ideia do novo homem. Fico com Shakespeare e acho que a humanidade com suas misérias e grandezas não muda essencialmente através do tempo. No entanto, não há dúvida de que a pandemia nos coloca a questão da solidariedade. Por menos que seja nosso gesto, sentimos que a resposta específica para esse tempo sombrio passa por aí.

Da mesma forma, a luta pela democracia, o esforço para manter nossos valores culturais e espirituais diante do impulso destruidor da extrema direita e sua política de morte.

Só está faltando talvez a superação dos ressentimentos, a certeza de que é possível formar uma ampla unidade de diferentes, sem veleidades hegemônicas, algo que em outras épocas foi o instrumento decisivo para combater governos extremistas.

Evidentemente, não tenho a fórmula acabada para esta união. Parece-me apenas que discutir, neste momento, quem tem mais culpa na ascensão de Bolsonaro é continuar no pântano.

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Brasil, que ‘já foi modelo’, agora é ‘o novo hotspot’ da pandemia

Clarín prevê para o país uma ‘tempestade perfeita: coronavírus, gripe, dengue e sarampo’, com o sistema de saúde à beira do colapso

Final de domingo na home page do financeiro alemão Handelsblatt, com foto do presidente brasileiro: “Brasil se torna o novo hotspot do coronavírus, Bolsonaro fracassa como gerente de crise”.

E na home do argentino Clarín, também com foto de Bolsonaro, “Brasil caminha para tempestade perfeita: coronavírus, gripe, dengue e sarampo”, destacando que o “sistema de saúde está à beira do colapso”.

Na americana Fox News, “Brasil ultrapassa Itália e Espanha” em casos de Covid-19. No tabloide New York Post, “Bolsonaro é visto fora de controle”. No New York Times, com agência Reuters, “Bolsonaro tira foto com crianças em manifestação, desafiando orientação de saúde”.

NYT manteve na home ao longo do domingo, de novo com foto de caixão em cemitério de Manaus, a chamada “Brasil, que já foi líder, se debate para conter vírus”. Logo abaixo, “As respostas pioneiras do país a crises passadas ganharam elogios globais, mas a sua resposta caótica ao coronavírus minou a capacidade do país de lidar” com a pandemia.

MOURÃO LÁ

A semana de “lives” e artigo do vice Hamilton Mourão incluiu “uma entrevista com um pequeno grupo de correspondentes estrangeiros”, no dizer do Financial Times, que no fim de semana abriu foto na home para o general.

Ele defendeu a política que vem implantando na Amazônia, inclusive a operação “Green Brazil Two”, que levou soldados de volta à floresta para tentar conter o desmatamento. “We mean business”, somos determinados na ação, declarou ele.

ARAÚJO E A ARGENTINA

Na quinta (14), ao lado do chanceler Ernesto Araújo, Bolsonaro deu a entender que o Brasil está se saindo melhor na pandemia do que a Argentina, “país que caminha para o socialismo”. Ecoou no Clarín, mostrando como, na verdade, o vizinho está melhor.

No dia seguinte, Araújo deu entrevista ao jornal, publicada no domingo. Sob a manchete, entre aspas, “Brasil tem as portas abertas para Alberto Fernández”, disse que o episódio “não impede o diálogo”. E reclamou que é Fernández quem dá “sinal contrário, quando faz ‘live’ com o ex-presidente Lula, põe no Twitter, ‘Veja, meu grande amigo, o presidente Lula’”.

GENOCÍDIO

Com fotos e o título “Lula teme genocídio no Brasil sob Bolsonaro”, a France Presse despachou longa entrevista de fim de semana com o ex-presidente, veiculada por franceses como Le Parisienalemães como Frankfurter Allgemeineindianos como Hinducanadenses etc., inclusive o portal americano Drudge Report.

Nelson de Sá

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Mural da História

economistas-desorientados7 de novembro, 2008

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O horror acima de todos

Chegou uma hora em que morriam mil por dia, sem ar, afogados

Eis que, por razões que fogem à razão, num dia agourento de 2018 o pior aluno da escola foi alçado ao cargo de diretor. Zé Peidola, que estava havia 28 anos sem conseguir passar da quinta série, tinha este apelido por conta de sua ocupação favorita: liberar gases durante das aulas. Os amigos do fundão riam muito e diziam que o Zé Peidola era “mó zoeiro!”.

Após ser empossado, a primeira atitude do Zé Peidola foi demitir todos os professores e colocar em seus lugares os amigos do fundão. No lugar da Fátima, professora de física formada pela USP, entrou o Mosca, que era bom de Lego. Gilberto, de geografia, formado pela Unicamp, foi trocado pelo Horroroso, que já tinha viajado pra Disney e pra Bariloche. Chris, a professora de português, com dois livros de poesia publicados, foi trocada pelo Língua Presa porque Zé Peidola achou muito engraçado colocar alguém de língua presa para ensinar uma língua. No lugar do professor de artes não entrou ninguém, porque segundo Zé Peidola arte é coisa de viado. Mó zoeiro, o Zé Peidola!

O único adulto colocado como professor foi o Teles, pra ensinar matemática. Teles tinha feito faculdade nos Estados Unidos 50 anos antes e ainda era membro de uma antiga seita que ninguém mais seguia –nem nos Estados Unidos– segundo a qual a escola não tinha que dar nenhuma orientação, era pra deixar os alunos fazerem o que quisessem e eles se entenderiam.

Depois, Zé Peidola trocou a fruta do lanche por Cheetos sabor churrasco. A média para passar de ano foi de seis e meio para dois. Zé Peidola cortou todas as árvores do pátio e colocou no lugar televisões passando Silvio Santos. Na biblioteca, Zé Peidola instalou TVs passando Tom & Jerry e botou os livros para serem usados como papel higiênico. O laboratório ele e os amigos destruíram a marretadas, salvando só o clorofórmio pra fazer lança-perfume. Mó zoeira!

A escola, sob os desmandos de Zé Peidola, foi se desmilinguindo. Ninguém aprendia nada com aqueles professores. Os bons alunos passaram a sofrer bullying. Por medo, as alunas só iam ao banheiro em bando. Um dia o Zé Peidola viu uma aluna pedindo pras amigas irem ao banheiro com ela e disse que ela não precisava ter medo porque era feia e não merecia ser estuprada. Mó zoeira!

 Então, no começo do segundo ano de Zé Peidola na direção, surgiu na escola uma epidemia. O médico consultor da escola sugeriu algumas medidas profiláticas. Zé Peidola disse que quem mandava ali era ele, demitiu o médico e botou um amigo no lugar.

Os alunos começaram a morrer. Zé Peidola disse, com visível raiva das vítimas, que só morria aluno com problema de saúde. (Ele pensou, satisfeito, mas não disse, que ia morrer muito preto e pobre, também). Morreu um. Morreram dez. Cem. Mil. Dez mil. Quinze mil. Zé Peidola pediu pro amigo médico receitar aos doentes Cheetos sabor churrasco –tinha visto no Twitter que curava a doença. O amigo recusou-se. Zé Peidola o demitiu também.

Chegou uma hora em que morriam mil por dia. Morriam sem ar. Afogados, com os pulmões inundados. Roxos. Sós. Eram enterrados sem velórios, em valas comuns. E os adultos –você se pergunta–, não faziam nada?! Nada. Aqui e ali, publicavam umas notas de repúdio e enquanto viam seus pais morrerem, seus irmãos morrerem, seus filhos morrerem, as paredes da escola ruírem e o teto desabar, diziam que não era o caso de tirar Zé Peidola da direção. Vinte mil. Trinta mil. Cinquenta mil. Cem mil? Mó zoeira!

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Morre a escritora, jornalista e tradutora Olga Savary, aos 86 anos

Premiada autora paraense foi a primeira mulher a publicar um livro de poemas eróticos no Brasil

Morreu neste sábado a escritora paraense Olga Savary, aos 86 anos, no Rio de Janeiro. A causa ainda não foi confirmada.

Olga nasceu em Belém do Pará, no dia 21 de maio de 1933. Poeta, contista, romancista, jornalista e tradutora, a autora é conhecida por ser a primeira mulher a publicar uma coletânea de poemas eróticos no Brasil, “Magma”, lançado em 1982. Entre os muitos prêmios que recebeu durante a carreira, destacam-se o Jabuti, em 1971, por “Espelho provisório”, o Prêmio de Poesia da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1977, por “Sumidouro”, e o Prêmio Artur Sales de Poesia — da Academia de Letras da Bahia — por “Berço esplêndido” (1987).

Admirada por poetas como Carlos Drummond de Andrade e Ferreira Gular, de quem ela também foi amiga próxima, Olga traduziu dezenas de obras de grandes nomes da literatura latino-americana, como Júlio Cortázar, Jorge Luis Borges, Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa e Pablo Neruda.

Durante sua trajetória, a poeta também atuou como colaboradora e correspondente de diversos veículos de imprensa tanto no Brasil quanto no exterior.

O Globo

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“Covarde”, “cretino”, “nojento”, “imbecil”, “analfabeto” e “primata”

Arthur Virgílio Neto chamou Jair Bolsonaro de “assassino indireto”, por “incitar as pessoas a saírem às ruas, violando o isolamento social”. Ele o chamou também, segundo Josias de Souza, de “covarde”, “cretino”, “nojento”, “imbecil”, “analfabeto” e “primata”. Foi uma resposta à frase que Jair Bolsonaro teria dito no encontro ministerial de 22 de abril:

“Aquele vagabundo do prefeito de Manaus está abrindo cova coletiva para enterrar gente e aumentar o índice da Covid.” Arthur Virgílio Neto concluiu: “Ele tem olho de peixe morto, uma cara assustada, típica de pessoa que não sabe ficar quieta. Não sei que outras moléstias esse sujeito tem além da mental. Mas há algo no seu coração perverso, capaz de tocar em feridas que estão sepultadas.”

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Contra negros e pobres, Bolsonaro prefere imunização darwinista

Irresponsabilidade política e moral do presidente na pandemia gera sequência ininterrupta de covas rasas

A morte a todos iguala, diz o ditado, mas isso não é verdade. Cada um que vai carrega o que foi. A morte, como a vida, distingue.

O memorial Inumeráveis, a que O Globo deu voz nesta semana, registra e homenageia os abatidos pela Covid-19. Cada nome se acompanha de uma frase, da pena de um de seus próximos. Soam como minicontos ou haicais das trajetórias interrompidas de pessoas insubstituíveis. É leitura pungente. Ali estão brasileiros de muitas idades, várias profissões, todas as personalidades. Foram amados e farão falta. Produzem um luto privado e solitário. Não há velórios nem despedidas.

É morte asséptica e em larga escala. A pandemia levou ao paroxismo a velocidade dos funerais. O ritual já vinha sendo encurtado. No ritmo alucinado das existências contemporâneas, falta tempo para velar um corpo por 24 horas, como antigamente.

Antes do coronavírus tudo açambarcar, a indústria funerária já provia maneiras cada mais higiênicas de afastar os mortos dos vivos. São banhados, vestidos, maquiados, para se assemelharem ao que deixaram de ser. Almeja-se o finado que parece dormindo, mas não na sua cama.

Aí estão as “funeral homes”, que apenas evocam as casas de família. Há cemitérios-jardins, para que a beleza natural empane a memória da perda, e há a cremação, que anula o túmulo, emblema físico da perda, para salvaguardar na memória a pessoa exuberante.

O sociólogo Norbert Elias trata de tudo isso em “A Solidão dos Moribundos”. Disseca o processo que transfere os agonizantes dos cuidados domésticos para os dos profissionais da saúde.

Vão sendo despedidos da vida, enquanto os sobreviventes se adaptam a um cotidiano sem eles. No Ocidente, esse distanciamento “da indesejada das gentes” começou pelos estratos altos e foi se popularizando em todos os grupos sociais.

A pandemia acelerou o alijamento e produziu a ilusão da morte democrática, ao apartar doentes e corpos contaminantes, tanto de ricos como de pobres, mas o noticiário todo dia escancara que há tantos jeitos de morrer quanto de viver.

agonia amparada em hospital de primeira linha é para poucos. Pouquíssimos. O UOL informa que uma UTI aérea de Belém a Brasília custa R$ 40 mil, e de Manaus a São Paulo são R$ 80 mil. O serviço cresceu 30% no pós-Covid, mas quantos podem busca a salvação de jatinho? A quase totalidade dos brasileiros não pode.

Embora o SUS venha fazendo das tripas coração, é incapaz de atender em simultâneo todos os que o presidente manda circular. Desta irresponsabilidade política e moral do governo nasce sequência ininterrupta de covas rasas.

Enquanto Bolsonaro defende a saúde econômica das barbearias, muitos perecem sem atendimento. Agonizam em ambulâncias, portas, corredores de hospitais, ante médicos e enfermeiros impotentes. E outros tantos voltam a morrer à moda antiga, em casa, nos braços de seus íntimos desesperados por não ter como salvá-los.

Faltam estatísticas completas sobre o perfil dos falecidos, mas é só ligar a TV para saber quem compõe a maioria. São os pobres, são os negros. Nenhuma bravata presidencial pode desmenti-lo. Ao deixar ao deus-dará o controle da pandemia, o governo federal condena um perfil bem específico de brasileiros ao cadafalso.

Não lhe ocorre cuidá-los. Prefere a imunização darwinista, que todos se exponham e sobrevivam os fortes. Se muitos expirarem, que achem quem lhes enterre, porque nem o presidente, nem sua secretária da Cultura têm a dignidade para a tão terrível quanto honrosa ocupação de coveiro.

No 13 de maio, quando o país ultrapassou os 12 mil cidadãos perdidos para a doença, o ministro que xingou o STF (na reunião delatada por Moro) homenageou uma princesa no Twitter. Isabel nada mais fez que assinar medida —pela qual o movimento abolicionista lutou por duas décadas— de cuja produção esteve ausente.

Em 1888, libertaram-se cerca de 700 mil escravos oficiais —afora os ilegais, pois as leis do Ventre Livre e dos Sexagenários nunca se efetivaram completamente. A norma demorou a vigorar e nada proveu para os libertos.

Muitos de seus descendentes estão no mesmo desamparo a que a Monarquia os relegou e no qual a República os mantém. No ano passado, 1.054 pessoas, informa também o UOL, foram encontradas em cativeiro no Brasil. Basta olhar a cor delas e a dos moribundos nas filas hospitalares para ver que este é um país assombrado pelos fantasmas de seu passado. E presidido por um deles.

Angela Alonso

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Todo dia é dia

A um instante das estrelas
E hei de comê-las com um chá
Botar minha calça vermelha
E morrer de amor pelo sabiá
Cortar fundo a artéria
Morrer de dor e espirrar
O grave som da miséria
O perdão que não soube dar
Porque suja é a matéria
E eu só sei respirar
Como a lua em apneia
Como o vasto mundo a girar
Sabe-se do amor quem tem ideia
Da vaga janela de olhar
O mar, a terra molhada
O encanto da vida a sonhar

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Mural da História

8 de agosto, 2011

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Mediocridade e Morte

“O assassino está à solta. Mas ainda faltam olhos de ver e disposições que assumam a dignidade que o tempo exige”

Tenho a obrigação de escrever como educador há 50 anos. Exerço uma profissão evidentemente odiada pelo clã Bolsonaro, talvez por derivação do ódio que nutrem por Paulo Freire e por tudo o que signifique autonomia, emancipação e interação humana. Há algo muito estranho e quase incompreensível a acontecer com parte da população brasileira e com os poderes constituídos, exceto a presidência da República, lugar em que exerce o poder o rei da velha política, Jair Messias.

Apesar do nosso horror contínuo com a perda de vidas pela nova peste que se abate sobre a sociedade global e seus modos antiecológicos de vida, espanta que este senhor assassino direto e indireto da vida brasileira se mantenha no poder por tempo superior ao de Collor de Melo.

E o faz com civis e militares a tiracolo, alguns deles respeitáveis e a maioria oportunista, como foi comum na República desde 1889 e fartamente documentado pelos historiadores e sociólogos da frágil democracia brasileira. Como fazem falta Celso Furtado e Raymundo Faoro!

É verdade que a safra de dirigentes políticos do mundo é medíocre, o que ajuda a compreender sua permanência. Quando este professor-pesquisador entrevistava escritores e intelectuais israelenses, ainda nos anos de 1970, sobre as vocações para a literatura, alguns dos entrevistados disseram que há momentos na história em que as grandes vocações se dirigem para certos campos do saber humano e que a distribuição não é simétrica.

De fato, não é. Com raras exceções, o tempo é de mediocridade na direção política da sociedade de interpenetrações setoriais e tendência globalizante, ainda incompleta, mas a demonstrar todos os seus erros e defeitos. Pior, a mediocridade é criadora de mitos, como demonstraram fartamente Roland Barthes de um lado e Max Weber de outro.

No entanto, é de espantar que um criador de mediocridades diárias à porta do palácio, um produtor insano de folhetins que, direta e indiretamente, estão a matar mais e mais brasileiros e confundir outros, se mantenha na direção de um dos poderes da República. E a produzir divisionismo e sinais de morte nos outros poderes.

Sua saída é urgentíssima. A despeito da reação de setores da população enganados em seu voto e em parte já arrependidos. A despeito do modo clássico de reação legislativa, que espera o fim da pandemia para pensar algo novo, o que não se deu com Collor e Dilma. O divisionista, ao fim e ao cabo, não está “nem aí” para a pandemia; ao contrário, aproveita-se dela a seu favor.

Ora, este senhor é assassino direto pela vociferação, provocadora da divisão e da cizânia, similar ao bafejo da morte. Nenhum outro dirigente do planeta está a fazer como ele. Trata-se do pior dirigente, do mais medíocre entre os medíocres. Então, por que ainda exerce o poder?

Por que os militares e civis sensatos que giram em torno dos palácios ainda se encontram a tiracolo? O que esperam? Ganham altos salários? Ou pensam que estão a fazer algo útil à nação? Coitados! Não tiveram familiares e amigos mortos em quantidade a provocar algum grau de revolta contra o divisionismo provocado pelo senhor de voz e mãos assassinas?

O que esperam os demais poderes, além de demonstrar que Collor e Dilma nada fizeram e tudo o que ocorreu foi um mesquinho jogo de interesses da velha política? Mas agora o que está na balança são os fundamentos da vida do país, pois nenhuma ação em que este senhor pôs as mãos desde janeiro de 2019 foi adiante, avançou ou melhorou, seja economia, saúde, educação. Do mesmo modo, direitos humanos, ecologia, cuidados com as nações indígenas e meio ambiente. Enfim, o nada nonada, para lembrar palavra de Guimarães Rosa. O que é nada não tem razão de prosseguir na direção política da nação.

Todos quebraremos a cara e teremos o todo ou parte de nós assassinada, pois o comportamento pregresso e atualizado da figura citada indica uma personalidade totalmente vinculada aos processos de morte, armamento, baixeza ética, negação do outro e da outra, bipolaridade em cada frase e em cada hora do dia.

Tudo já foi dito e tudo já foi demonstrado; ampliado agora com as últimas revelações, ultimas novelinhas medíocres e folhetins negadores da vida cotidiana deste povo já sofrido em sua história democrática.

Teremos de ser um país sério. O que menos interessa agora é que tenhamos algumas estruturas sociais organizadas, pois não se trata de fazer leitura estruturalista das instituições e sim leitura dialética do que está a morrer continuamente dentro de nós e ao nosso redor.

O assassino está à solta. Mas ainda faltam olhos de ver e disposições que assumam a dignidade que o tempo exige.  Todo tempo mediocrizado pela política e pela espera do que não existe é tempo para perder oportunidades históricas e ampliar sofrimentos.

Luiz Roberto Alves|Revista Forum

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Após ultimato sobre cloroquina, Teich pede demissão do Ministério da Saúde

Nelson Teich, que assumiu há menos de um mês, vinha sofrendo pressão para ampliar uso do remédio

O ministro da Saúde, Nelson Teich, pediu demissão do cargo, informou o próprio ministério. Uma coletiva de imprensa será marcada nesta tarde, de acordo com a pasta.

Há menos de um mês no cargo, Teich teve poder como ministro minimizado pelo presidente Jair Bolsonaro. Na segunda, foi informado pela imprensa de decisão do presidente de aumentar a lista de atividades essenciais com salões de beleza, academias e barbearias e se mostrou surpreso.

Também foi enquadrado por Bolsonaro a ampliar o uso da cloroquina para pacientes com quadros leves da Covid-19, apesar da falta de evidências científicas do medicamento para o novo coronavírus. Estudos recentes internacionais, publicados em revistas científicas de prestígio, não mostraram benefícios da droga em reduzir internações e mortes e mostraram riscos cardíacos.

Em uma teleconferência com grandes empresários organizada a quinta-feira (14) pelo presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, Bolsonaro afirmou que o protocolo “pode e vai mudar”.

“Agora votaram em mim para eu decidir e essa questão da cloroquina passa por mim. Está tudo bem com o ministro da Saúde [Nelson Teich], sem problema nenhum, acredito no trabalho dele. Mas essa questão da cloroquina vamos resolver. Não pode o protocolo —de 31 de março agora, quando estava o ministro da saúde anterior [Luiz Henrique Mandetta]— dizendo que só pode usar em caso grave… Não pode mudar o protocolo agora? Pode mudar e vai mudar”, declarou Bolsonaro.

Teich é o segundo ministro a deixar a Saúde em meio à pandemia. Juntamente com o impasse sobre o isolamento social, divergências sobre a aplicação da cloroquina e da hidroxicloroquina em pacientes da Covid-19 foram um dos principais pontos que levaram à demissão de Mandetta, em 16 de abril.

“Cloroquina hoje ainda é uma incerteza. Houve estudos iniciais que sugeriram benefícios, mas existem estudos hoje que falam o contrário”, afirmou o ministro, em 29 de abril. “Os dados preliminares da China é que teve mortalidade alta e que o remédio não vai ser divisor de águas em relação à doença.”

Internamente, o governo estuda que a pasta seja assumida pelo secretário-executivo, general Eduardo Pazuello.

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A vida numa ‘live’ sobre coronavírus

Nem sempre tenho chance de falar sobre tudo isso que está acontecendo. Quero dizer, limito-me a comentar todos os dias apenas alguns aspectos de uma realidade que me desafia, ou, se quiserem, me atropela.

Nesta semana tive a chance de conversar com o embaixador Marcos Azambuja, num encontro promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Além da amizade, partilhamos um certo senso de humor, que sobrevive mesmo nestas horas sombrias.

Trabalho com a questão ambiental desde a década de 1970. Sei que as pessoas têm certa dificuldade em reconhecer um perigo invisível. Foi assim no desastre de Chernobyl. Muitos europeus não acreditavam que o próprio leite que consumiam poderia estar contaminado. Em Goiânia não era tanto a invisibilidade, mas a sedução de uma pedra brilhante (césio-137) que enganava as pessoas na Rua 57.

Com Chernobyl acentuou-se o declínio das classes dirigentes soviéticas. A epidemia de coronavírus não trouxe desgaste do mesmo nível para o PC chinês. Há um vácuo da presença americana, uma vez que o país abandonou suas pretensões de liderança e refugiou-se no lema America first. Coube a uma potência média, a Austrália, com apenas 25 milhões de habitantes, lançar uma iniciativa internacional para apurar a responsabilidade da China.

Quem gostava muito de comparar a Austrália com o Brasil era Lionel Brizola. Não é minha intenção. A Austrália tem um governo conservador e a China como seu maior parceiro comercial. No entanto, encarou o problema e ainda por cima unificou as forças políticas internas, num esforço comum.

O governo brasileiro censura a China nos bastidores e nas redes sociais, algo bastante imaturo. Nesse caso, o melhor seria ficar calado.

Mas o pior foi a incapacidade de encontrar uma resposta nacional e solidária no combate ao coronavírus. A política de negação da extrema direita internacional acabou encontrando no Brasil sua face mais rude.

Bolsonaro negou a importância da pandemia, afirmando que não passava de uma gripezinha. Consequentemente, negou toda a política de isolamento social, estimulando seus seguidores a combatê-la.

Quando surgiram as primeiras mortes e depois elas foram se acumulando, o processo de negação estendeu-se aos próprios mortos. Seria mesmo tanta gente ou estava havendo uma superestimação?

Com as imagens dos caixões vieram novas dúvidas: existe gente dentro ou são caixões cheios de pedras? Em Minas foi divulgado o vídeo de uma testemunha vendo pedras em caixão. Certamente, uma militante paga. Uma deputada federal chegou a afirmar que um caixão no Ceará estava vazio.

Assim como nega o coronavírus em todas as etapas, Bolsonaro quer passar para a nova fase, como se ele não tivesse devastado a saúde dos brasileiros, sem planos de transição. O Brasil tornou-se um caso internacional. Reportagens, memes, comentários escandalizados na TV estrangeira, Bolsonaro aos poucos se transforma em vilão mundial. Essa é uma das razões por que o título da nossa conversa é a tempestade perfeita. O vírus no Brasil metamorfoseou-se em molécula política.

Muitos dizem que a pandemia é o grande drama que vivemos desde a 2.ª Guerra Mundial. Mas, se observamos aquele período, a situação do Brasil é pior. Vargas custou, mas encontrou seu rumo. Bolsonaro simplesmente não consegue sintonia com o esforço nacional na luta contra o coronavírus. O Brasil não era um dos principais protagonistas da guerra, mas está se tornando uma das principais vítimas da pandemia.

Estamos, como todo mundo, sepultando sonhos. Não importa que tipo de futuro o coronavírus nos permitirá, também ficaremos mais pobres.

Pela minha experiência, a pobreza não é tão terrível quando mantemos nossa vida amorosa e intelectual em bom nível. O problema será viver num país em que a pobreza material inevitável é seguida de um debate político desolador, uma permanente troca de insultos. De qualquer maneira, a alegria de se descobrir vivo quando atravessarmos este túnel talvez compense todo o susto e a tristeza.

A ideia de que o coronavírus nos tornaria a todos melhores pessoas é uma ilusão. Todos os grandes problemas do Brasil, incluída a corrupção, estão em vigor neste período. Ao lado de um louvável movimento de solidariedade, é bom lembrar.

O que pode acontecer, entretanto, é uma chance de negociarmos prioridades, uma vez que a pandemia revelou não apenas a profunda desigualdade social, mas como ela bloqueia o futuro. Quem sabe, também, no final do processo, será possível restabelecer o papel da ciência e do esforço intelectual, ambos tão estigmatizados pelo populismo de direita.

Quando digo papel da ciência não estou pensando em mitificá-la ou transformá-la em nova religião, apenas reconhecer sua importância e continuar trabalhando nas esferas em que atuamos, cheias de incertezas e imprecisões.

Somos uma geração de risco, em todos os sentidos. Espero que possamos sair de casa bem rápido, pois ainda há muito que fazer. Sobretudo depois que nos apegamos tanto à vida, “à vida apenas, sem mistificação”, como dizia o poeta.

Dito isso, creio que, por algum tempo, posso voltar aos detalhes cotidianos.

O Estado de São Paulo

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Em ‘História da Violência’ autor francês destrincha o trauma de um estupro

Em ‘História da Violência’ autor francês destrincha o trauma de um estupro

“Em uma semana você dirá a si mesmo: já faz uma semana que aconteceu, vamos lá, e em um ano você se dirá: já faz um ano que aconteceu.” Contando os passos, os minutos, os segundos. Pensando no lençol com perfume de pêssego, que em nada se parece com o cheiro de um pêssego. É com essa mente obsessiva, ininterrupta e genial que o jovem escritor francês Édouard Louis, de 27 anos, consegue sobreviver ao trauma de um estupro (“é como a morte”, ele ouve de uma enfermeira no hospital) para escrever “História da Violência”, certamente um dos melhores livros que li nos últimos anos.

Conhecido pelo best-seller autobiográfico “O Fim de Eddy“, sobre sua juventude povoada de miséria e humilhações, Édouard é um daqueles autores incansáveis na busca pela frase mais honesta, pelo texto mais escancaradamente sincero. A literatura lhe deu tudo o que ele tem: se antes o salvou de um passado sufocante de cuspes na cara, agora afrouxa seu pescoço das lembranças de um enforcamento recente (ele quase foi assassinado pelo rapaz que o estuprou). Por isso o seu compromisso com a escrita é essa entrega tão desenfreada, desnuda e visceral.

Há dois anos, em entrevista a este jornal, declarou que só a verdade lhe interessava: “acho que a verdade tem o seu ritmo, de certa forma. É minha única preocupação”. Também em 2018, o autor disse ao El País não gostar “da literatura que é um mero exercício de estilo”.

Édouard tosse para tirar dos pulmões o ar que pode ainda ser o da respiração de Reda, seu agressor. E se pergunta por que não fugiu quando podia, por que não fez parar a agressão quando achou que tinha esse poder. Ele se pergunta por que, como a personagem Temple, no romance “Santuário”, de William Faulkner, se agarrou à inércia? Sua irmã, que paralelamente narra uma versão da história para o marido, com requintes sensacionalistas e um linguajar típico de uma pessoa grosseira (mas, vez ou outra, mostrando conhecer bem o irmão), confessa que jamais lhe diria “a verdade”, mas acha que sua carência o faz ser assim, “se apega muito rápido”, ou, talvez, ele tenha suportado tudo aquilo por ter “sido educado na dureza”, mesmo querendo mostrar que não pertence mais a ela.

Em itálico, o escritor, que ouvia tudo atrás da porta, registra o monólogo da irmã (o marido motorista de caminhão só escuta, acostumado ao silêncio das estradas). Em seu primeiro livro, ele já havia utilizado esse recurso para destacar sua voz mais livre e confessional.

Formado em ciências sociais e crítico ao sistema carcerário de seu país, Édouard Louis nos descreve uma polícia burra e racista, feliz em classificar Reda como um “tipo magrebino”, não fazendo referência a uma origem geográfica, mas sim adjetivando o sujeito como “ralé, bandido e delinquente” ou insistindo que são sempre os árabes a cometer crimes na França.

No meio do interrogatório, arrependido de estar ali, desejando até mesmo proteger Reda (não acredita em violência contra a violência e tem as piores lembranças de visitar um primo na prisão), ele quer desistir, mas ouve que sua história não mais lhe pertence. Sua resposta veio em forma de obra-prima.

Publicado em Tati Bernardi - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
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Embalagem de cloroquina virá com foto de Bolsonaro como alerta

O presidente Jair Bolsonaro teria “exigido” a Nelson Teich que recomendasse a cloroquina no tratamento de Covid-19. Diversos estudos recentes mostraram que a cloroquina não só é ineficaz contra o coronavírus como pode causar graves efeitos colaterais, especialmente no coração.

Por isso, a indústria farmacêutica terá que colocar a foto de Bolsonaro nas embalagens de cloroquina – como é feito com cigarros.

“Quem quiser duvidar da ciência tem que saber que o destino é se tornar um mentiroso autoritário, manipulador, orgulhoso de ser ignorante, potencialmente genocida e, de uma maneira geral, um grande filho da puta”, disse a decisão.

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Elogiozinho da loucura

você-está-muito-sensata-verde

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