Sem jornal impresso, mas com graça

Quando a edição impressa da “Gazeta do Povo” deixou de circular, lamentei aqui, Não propriamente o fim da “Gazeta”, mas o fim da imprensa, do jornal escrito. E, embora eu esteja me expressando on-line, por graça e benevolência do nosso Zé Beto – ele próprio formado e criado na imprensa de papel, ao som da rotativa e o cheiro da tinta de impressão –, ouso afirmar, parafraseando Monteiro Lobato, que uma cidade sem jornal é uma cidade sem alma.

Em Curitiba, só nos últimos tempos, já perdemos “A Tarde”, “O Dia”, “Diário da Tarde”, “Diário do Paraná”, “Correio do Paraná”, “Correio de Notícias”, “O Estado do Paraná”… Logo – podem crer – perderemos a “Tribuna do Paraná”, o “Jornal do Estado” (agora, “Bem Paraná”) e o “Indústria e Comércio”. E estaremos todos nós, leitores, cada vez mais órfãos, porque um jornal não é apenas um veículo de comunicação; é o escrivão da história de um povo, da civilização. No Brasil, a imprensa escrita confunde-se com a história do país, tem tudo a ver com a formação de nossa gente, de nossa cultura, de nosso desenvolvimento. Quando morre, ainda que aos poucos, é motivo de enorme tristeza.

O homo sapiens demorou milênios para dominar a escrita, isto é, a utilização de sinais gráficos para exprimir as suas ideias. No limiar do século XXI, está fazendo o possível para livrar-se dela. Começou com a publicidade e avançou com a televisão, onde a síntese é obrigatória, ainda que com prejuízo do entendimento. Agora, vive o avanço da comunicação on-line. O que o futuro nos reserva, só Deus sabe. Talvez nem Ele.

Não por acaso, lembrei-me de Ciro Pellicano. E repassei os olhos no saboroso livrinho que ele escreveu e que me fora presenteado, algum tempo atrás, por uma boa amiga: “A Última Coisa que Pretendo Fazer na Vida é Morrer” (Ed. Códex, 2003). Ciro é (ou foi) publicitário. E, como tal, tendo exercitado, durante anos a fio, o “fascinante ofício da síntese”, de repente já não conseguia escrever uma carta com mais de cinco linhas nem manter uma conversação que excedesse trinta segundos. Voltou correndo para o papel e ao exercício das letrinhas.

Escrita e fala, por não serem mais exercidas, acabarão inevitavelmente esquecidas.

Enquanto isso não acontece, aproveitemos o tempo que nos resta e os veículos de comunicação ainda existentes e à nossa disposição.

Ciro desfila na publicação, por escrito, uma coleção de citação de “frases essencialmente supérfluas (ou superfluamente essenciais)”, revividas por ele com competência e bom-humor e recomendadas aos leitores de bom-gosto. Como homenagem ao autor, tomo a liberdade de extrair do livro alguns exemplares esparsos. São a prova de que, mesmo com os smartphones, o whatsapp, a necessidade de síntese e o fim dos jornais impressos, a inteligência pode continuar existindo:

  • “O homo sapiens surgiu na África. Mas, assim que ficou um pouquinho mais sapiens, emigrou para a Europa”.
  • “Consumo conspícuo é você comprar um dicionário só para saber o que a palavra significa”.
  • “Ponto facultativo: Sinal ortográfico de uso não obrigatório”.
  • “Nasci com um dom, mas era só um sino da igreja marcando uma da manhã”.
  • “Era uma família de estrutura tão baixa que, em vez de árvore genealógica, tinha um arbusto”.
  • “Os homens são de Marte, as mulheres são de Vênus. E os milhões de idiotas que compraram o livro são aqui da Terra mesmo”.
  • “A televisão costuma exigir só 25% do coeficiente de inteligência dos telespectadores, cifra que na maioria dos casos representa 100% do que eles possuem”.
  • “Superior hierárquico: Um ser inferior”.
  • “Casamento: Instituto jurídico pelo qual duas pessoas decidem dividir o leito até o momento de dividir os demais bens”.
  • “Diga não aos poderosos, mas tome o cuidado de não ser ouvido”.
  • “O poder só sobe à cabeça quando encontra o local vazio”.
  • “Como já destruiu a sua, o alcoólatra bebe sempre à saúde dos outros”.
  • “Avó: Uma mãe que o fogo baixo do tempo tornou mais saborosa”.
  • “Toda vez que ouço falar de alguém que tenha morrido por falência múltipla dos órgãos, fico sem saber se a expressão se refere ao doente ou ao sistema de saúde”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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