Clóvis Rossi – Folha de São Paulo
Se o de Berlim foi de fato um atentado terrorista, como estão dizendo as autoridades alemãs, dificilmente se encontraria outro local no mundo que contivesse tantos símbolos daquilo que realmente era o alvo: o modo de vida ocidental, o que inclui uma preciosidade inestimável, a liberdade.
Para quem não conhece Berlim, examinemos um pouco o que há na Breitscheidplatz, o local onde se instala o mercadinho anual de Natal, e imediações:
1 – Há a Igreja Memorial do Imperador Guilherme, severamente danificado durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), mas mantida como ficou para ser uma espécie de relicário sobre os horrores da guerra.
Ao atingir esse local, o que os terroristas estão querendo dizer é que há outra guerra em curso, desta vez movida por fanáticos religiosos contra tanto os vencedores como os perdedores da grande guerra.
2 – Há a Kurfürsterdamm, uma avenida comercial que era o epicentro do comércio chique enquanto Berlim estava dividida em duas.
A Kudamm, como é comumente chamada, representava, naqueles tempos, o contraste entre a exuberância do capitalismo e a singeleza do comunismo, concentrada na Unter den Linden, a sua equivalente no lado oriental.
Como se sabe, a Kudamm ganhou de goleada de sua rival oriental, ainda que, hoje, o charme esteja de novo concentrado no lado oriental, revigorado pela vitória do capitalismo.
3 – Há, nesta época do ano, o mercado de Natal, uma tradição que, na Alemanha, vem do século 15.
É, pois, uma mescla de cristianismo com capitalismo, outra característica ocidental.
4 – Há, por fim, a liberdade de circulação, ditada pela importância da Kudamm e ruas próximas para a circulação em Berlim.
Depois do atentado, fica fácil criticar a desproteção de um alvo potencial tão óbvio. Ainda mais depois que, em 2000, quatro jovens argelinos foram presos enquanto planejavam um atentado justamente contra um mercado de Natal em Estrasburgo (fronteiro franco-alemã).
Em outro mercado natalino de Berlim, o da Gendarmenmarkt, até foram estabelecidas barreiras de proteção, mas, na Kudamm/Breitscheidplatz, não há como conciliar a liberdade de ir e vir, pressuposto da vida urbana, com barreiras que de fato pudessem impedir a movimentação de um caminhão/arma.
Como disse à emissora Deutsche Welle o jornalista Rolf Tophoven, do IFTUS (sigla alemã para Instituto para a Prevenção de Crises), “o Estado não pode garantir 100% de segurança”.
De fato, depois dos ataques recentes em Ansbach e Würburg, o ministro do Interior, Thomas de Maiziere, já havia dito que uma sociedade aberta e livre tem que se acostumar a lidar com situações extremas —como a de Berlim na segunda-feira (19).
Completa Tophoven: “Temos que nos acostumar com esse tipo de tragédias se queremos manter abertas nossas sociedades”.
O problema é que, à espreita em situações como as de Berlim, estão os que buscam restringir as liberdades.
Marcus Pretzell, líder regional da AfD (Alternativa para a Alemanha), xenófobo e de extrema-direita, já jogou no colo da chanceler Angela Merkel as vítimas de Berlim. “São os mortos de Merkel”, disparou.
Não, não são. São os mortos da liberdade de um modo de vida para o qual não se encontrou ainda alternativa melhor. Se a AfD ganhar a eleição de setembro na Alemanha, os terroristas terão vencido a sua guerra.