Ele foi e voltou. E ninguém notou

Tiozinho – assim nomeado, com a costumeira precisão, pelo nosso sempre atento Nelson Padrella – foi à Rússia tirar fotografia ao lado do ditador Vladimir Putin. Ficou encantado também com o Kremlin, como todo capiau acostumado a ver o mundo pela TV.

Mas adorou mesmo encontrar e beijar (se é costume na região) o premier Viktor Orbán, a quem chamou de “irmão” e com o qual vislumbrou grandes afinidades. Foi capaz até de pronunciar, prenhe de comoção, asnice como “nós representamos valores que podem ser resumidos em quatro palavras: Deus, Pátria, Família e Liberdade”.

O mote, como se sabe, é fascista italiano, excluindo, é claro, a “liberdade”. Adotado pelos fascistas brasileiros da Ação Integralista e pela ditadura portuguesa de Oliveira Salazar, tem sido usado costumeiramente pelo arremedo de fascista brasileiro.

Orbán, conhecido por sua política homofóbica e anti-imigração, retribuiu a bajulação proclamando que “os cristãos têm a religião mais perseguida do mundo” – coisa que o brasileira já dissera na ONU.

Em seguida, abraçaram-se afetuosamente.

Tiozinho teria feito melhor se ultrapassasse a fronteira com a Romênia e fosse abraçar, na Transilvânia, o Conde Drácula.

Nenhum acordo ou aliança relevante foi firmado nas visitas presidenciais, como já era previsível. Ou, como concluiu O Estado de São Paulo, “ao estreitar laços com dois nacionalistas autoritários como Vladimir Putin e Viktor Orbán, Bolsonaro só acentuou o isolamento em que enfiou o Brasil”.

A viagem só não foi inútil para os viajantes se lembrarmos que a comitiva, além da milicada de praxe, incluiu o filho de s. exª, Carlos, o nº 02, craque em tramoia pela internet, e que a Rússia é especialista em guerra cibernética e já integrou o exército de fake news de Donald Trump contra Hilary Clinton.

Ah, sim. Segundo o pândego e incompetente Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente bolsonariano de triste memória, Jair “evitou a 3ª Guerra Mundial”. Nem graça teve.

Na verdade, Tiozinho está aproveitando o final de governo para conhecer o mundo com o nosso dinheiro e “brincar de líder da extrema direita internacional”, como registrou a comentarista Eliane Cantanhêde.

Ao regressar ao Brasil de mala vazia, ele foi recepcionado com a destruição da bela Petrópolis, cidade que sobrevoou sem sujar as botinas, qualificando a visão, com incontida emoção, como “zona de guerra”.

Nenhuma palavra sobre o descaso criminoso das autoridades públicas, inclusive federais. O certo é que não há planejamento urbanístico no Brasil para áreas de risco. Todos os anos desgraças acontecem no Rio, São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Santa Catarina ou Nordeste, mas providências só são tomadas após a tragédia ocorrida. E nem falta de dinheiro é. Dos bilhões destinados a medidas de contenção das encostas, desmoronamento e enchentes nem 10% foram utilizados.

Em seguida, Tiozinho voltou à vadiagem habitual, só interrompida para a semeadura de intrigas. mentiras e ataques aos poderes constituídos.

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Procissão Parada

me perdi na Patagônia
segundo medida provisória
devia abordar a Terra do Fogo
na primeira hora auroreal
enviei mais tropas de choque
para angariar fundos de
emancipação sociopolítica
residencial e imaginária

o dia assoberbado de horas
no enlevo feliz de anoitecer
cravou o chão de desertos
cactuados e mesmesquinhos

por um silvestre não cantei
plenipleno potencial tinha
mas o céu bombardeou de sombras
as margens alongadas da beleza

me perdi na Patagônia
sob um silêncio cheio de hastes
na mais límpida ironia de ser
ondulando horizontes de não chegar

longilongínquo espírito de combate
arrefecido de anseios e meneios
jazi na saliva simples da noite
e compartilhei do rastro das estrelas

me perdi na patagônica vida
que é toda lugares ermos enfermos
e saltei pra cumprir o eclipse
que se tornou branco cego de luz

*Rui Werneck de Capistrano é plenipotenciário altiplano

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© Shiko

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Nora Drenalina recomenda

pasquimMillôr Fernandes, em maio de 1973, celebrou o número 200 d’ O Pasquim dizendo que “só mesmo o denodo e o estoicismo de uma plêiade de jornalistas imbatíveis no cumprimento do seu dever seria capaz de atravessar tantos obstáculos”. Ironia do mestre à parte, eu acho que foi isso mesmo.O jornal foi um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro. Isso se deve em grande parte porque O Pasquim conseguiu aglutinar, em nome de uma guerra santa contra as trevas, quase todos os melhores jornalistas brasileiros da época – entre os quais Jaguar e Sérgio Augusto, responsáveis por esta antologia. O volume II desta saga jornalística vai de 1972 a 1973, em pleno governo do general Emílio Garrastazu Médici, quando a economia crescia em ritimo chinês de hoje, e a liberdade era abafada à bala, tortura e censura.

Foi um país sufocado pela repressão sem limites do AI-5 que surgiu O Pasquim, em junho de 1969. O hebdomadário, parta usar uma palavra tão ao gosto da patota de coleguinhas, foi como uma mosca da canção de Raul Seixas e Paulo Coelho, que pousou na sopa da ditadura, perturbou o seu sono e ficou a zumbizar.Mas a caserna não tolerou aquele zumbido. Tanto que os milicos prenderam quase toda a redação do jornal em novembro de 1970. O jornal continuou saindo graças a alguns intelectuais da pesada que ocuparam o espaço dos presos.O jornal foi revolucionário não só na crítica política ou de costumes.

Ele renovou a linguagem jornalística. Numa época em que o texto dos jornais era muito rebuscado, O Pasquim escrevia como se falava, num estilo pessoal, coloquial e safadinho até. Ou, como diz o Jaguar: “ele tirou o paletó e a gravata do jornalismo brasileiro”. Até o seu formato tablóide hoje está na moda e é apontado por especialistas da mídia como o futuro dos jornais. Por tudo isso, bem vindo ao melhor do humor em tempos de cólera.

Ancelmo Gois

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Grande imprensa namora Bolsonaro

Com os candidatos de terceira via empacados, os jornalões atacam os planos de Lula e jogam confetes para o Capitão Corona 

No fim de semana, ao dar uma lida rápida na edição da Veja, me chamou a atenção o artigo do cientista político Murillo de Aragão. Segundo ele, apesar do favoritismo, não se pode afirmar que Lula será o próximo presidente. Uma das razões, diz, é que Lula continua a abordar temas que afastam setores do eleitorado menos corporativistas e esquerdistas, “temas já superados e que só agradam ao seu eleitorado cativo”. Aragão ressalta que, apesar de as pesquisas espontâneas mostrarem Lula bem à frente de Bolsonaro, o ex-presidente aparece com 44% e o ex-capitão com cerca de 36% no tracking (pesquisa diária pelo telefone) de sua consultoria. Conclusão dele: Bolsonaro mantém intenção de voto relevante que pode ser turbinada por iniciativas do governo. Além disso, “Aproximadamente 25% do eleitorado ainda não escolheu em quem votar. É um espaço robusto para a ocorrência de surpresa”.

Por coincidência, também no domingo, o colunista Lauro Jardim, em O Globo, informou que os responsáveis pela campanha de Bolsonaro preveem ultrapassar Lula em junho. Por mais que a informação seja surpreendente, ele explicou que, a partir de números mais recentes de pesquisas encomendadas pelo governo, acendeu o otimismo no Palácio do Planalto. Dias antes, o jornalista destacou que os trackings eleitorais feitos por pelo menos dois institutos detectaram leve subida na intenção de votos de Bolsonaro, que continua atrás de Lula, mas agora com distância menor. A alta foi registrada nas respostas espontâneas, ou seja, quando não são oferecidas aos pesquisados uma lista de candidatos.

Nesta quarta-feira foi a vez de Vera Magalhães lançar em O Globo dúvidas sobre a eleição de Lula. Segundo ela, sob orientação do Centrão, houve mudança de rota na campanha de Bolsonaro, que deixou de vociferar contra a vacinação. E, graças à influência do Centrão, o Congresso liberou recursos para auxílio às camadas mais necessitadas da população, sem as quais o Capitão Corona não tem a menor chance de reeleição (metade do eleitorado tem renda familiar de até dois salários mínimos). A nova tática, diz Vera, está dando certo. “Bolsonaro apresenta recuperação de até quatro pontos nos dois primeiros meses do ano nas intenções de votos espontâneas de várias pesquisas.” A colunista afirma que é ingenuidade acreditar que “Bolsonaro é cachorro morto, mesmo com a caneta e o talão de cheques na mão”.

Desculpem-me pela reprodução de textos favoráveis a Bolsonaro. Mas é necessário para mostrar os concretos sinais de apoio da grande imprensa ao mandatário tresloucado que destruiu as conquistas sociais das últimas décadas. Acontece que Lula, ao expor projetos de seu governo, desagradou às elites. Suas críticas à reforma trabalhista e ao processo criminoso de privatizações causaram dor e ranger de dentes entre empresários e demais donos do poder. Também caiu como uma bomba a menção à necessidade de democratizar os meios de comunicação. Em editorial, O Globo afirmou que essa “é uma questão pacificada há décadas na sociedade brasileira” e destacou que o Congresso “é o melhor freio às intenções de Lula sobre a mídia”.

Folha de S.Paulo também vai abrindo espaço a ministros do atual governo e aos filhos do presidente. Na terça-feira, publicou artigo de Flávio Bolsonaro sob o título “Moro soltou Lula”, que trouxe um conjunto de mentiras com origem possivelmente no “gabinete do ódido” do Planalto. A manchete desta quarta faz jogo de cena ao revelar que Flávio acionou a Receita Federal em sua defesa no caso das rachadinhas. Mas a verdade é que a Folha tem sido generosa ao abrir espaço aos projetos do governo que podem gerar votos. No online, a manchete é “novo saque do FGTS pode beneficiar 40 milhões de trabalhadores e liberar R$ 20 bilhões”. A ideia de Paulo Guedes é liberar saques do FGTS para a quitação de dívidas.Vale tudo na caça de votos para Bolsonaro.

Não tenho acompanhado o Estadão, até porque é inimigo jurado do PT. Seus editoriais contra Lula costumam ser ferozes. O jornalão dos Mesquita não perde tempo com tentativas de se mostrar imparcial. Como diria Leonel Brizola, a grande imprensa “está costeando o alambrado”. Diante do fracasso os candidatos da terceira via, prepara-se para dar apoio à reeleição de Bolsonaro.

*Octavio Costa

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Ninguém comemora o aborto

Sentimento de vitória é pelo reconhecimento de que isso é questão de saúde pública

Repita comigo: ninguém celebra o aborto. Ninguém. O que é comemorado quando há avanços na legislação que rege os direitos reprodutivos é que o Estado seja impedido de prender, julgar, aprisionar mulheres que decidem interromper a gravidez. Foi o que aconteceu na Colômbia, onde a Corte Constitucional decidiu que o aborto não deve ser tratado como crime até a 24ª semana de gestação. A decisão precisa ser regulamentada pelo Congresso.

O prazo de quase seis meses que poderá ser adotado pelos colombianos virou combustível para que os movimentos feministas sejam acusados de “celebrarem o aborto”. Os supostos defensores da vida ignoram dados oficiais para fazer crer que exceções podem virar a regra. Dados do BMJ Sexual & Reproductive Health mostram que 9 em cada 10 interrupções são realizadas até a 12ª semana em mais de 20 países de alta renda.

Então, repita comigo: nenhuma feminista é “assassina de bebês”, como acusam parlamentares dessa direita histérica que chegou ao poder. O próprio presidente já sugeriu que esta colunista seja “genocida”, mas quem ficará na história como responsável por um governo que enterrou 650 mil numa pandemia é ele.

A discussão sobre prazos seria saudável, mas a argumentação é rasteira e politiqueira. Ninguém quer matar bebês, ninguém defende a adoção do aborto como método contraceptivo, ninguém quer transar por aí sem cuidado. E não dá para dizer que “as mulheres não fecham as pernas” e que “só engravida quem quer”.

Celebra-se o fato de que a Justiça de outro país libertará quase 350 mulheres encarceradas por terem se submetido a procedimentos que não deveriam ser clandestinos. O sentimento de vitória é pelo reconhecimento de que o aborto é uma questão de saúde pública, pelo posicionamento solidário do Estado, que passa a preservar a integridade física e psíquica da mulher.

A conquista das colombianas é de todas nós.

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Bolsonaro elogia ditadores Médici e Stroessner em cerimônia de posse do novo diretor de Itaipu

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Homem-Massa em ação

Ortega y Gasset escreveu A rebelião das massas. É complicado explicar teoricamente. Melhor você ler o livro. Mas, pra exemplificar, nada melhor do que pegar um homem-massa em ação.

Vou contar.

Vamos dizer que você jogue sinuca num clube. Quer dizer, você é sócio de um clube e joga sinuca lá com amigos que também são sócios. Todo clube tem suas regras, seu regulamento interno, seu estatuto. Quem entra deve, pelo menos em boa dose, seguir o que está escrito pro bom andamento da convivência. Existem clubes chiques que têm a famosa ‘bola preta’ que é dada a alguém que quer se associar, mas não preenche os requisitos do estatuto. Só que a democratização do mundo dá a qualquer um a chance de convívio em todo lugar. Por um meio ou outro o cidadão consegue entrar num clube e pronto. Isso não é ruim. Em tese, todos têm direito à vida, à liberdade, à busca da felicidade.

Só que muitos clubes se tornaram, por força da ascensão do homem-massa, muito mais receptivos. Tendo dinheiro, entra. Desse modo, mesmo num clube existem outros miniclubes. Quem joga sinuca, quem joga tênis, quem joga baralho, quem salta a cavalo, quem joga golfe. Cada miniclube tem, também, suas regras.

Aí, entra o caso que quero contar. Você está jogando sinuca com amigos. Só duas mesas, das nove, estão ocupadas. Entra um cara, com a mulher e uma criança, e, depois de olhar tudo, chega pra você e pergunta: — Como se faz pra jogar? Você explica: — Tem que ter seu próprio taco. Só isso. Ele te olha meio ressabiado. Aí, outro amigo diz: — Olha, tem duas mesas ali na sala ao lado e lá se pode jogar sem precisar taco próprio. Parece que foi tudo bem explicado, né? Aí, o cara sai da sala, com a mulher e a criança. Você e os amigos voltam a jogar normalmente. Passa um pouco de tempo e o cara volta, com a mulher e a criança. Só que dessa vez ele traz as bolas e os tacos da outra sala. Vem junto o cara que atende a sinuca. O cara com a mulher vai direto pra uma mesa. Você e seus amigos olham e tentam dizer pra ele que não se pode jogar com taco com ponta de plástico. Pode rasgar o pano. Pausa: os tacos devem ter sola (ponta) especial — a mais cara importada chega a custar cinquenta reais! O cara olha pra você e diz: — Vou jogar aqui com minha esposa. ALGUM PROBLEMA? Sou sócio e vou jogar! Pronto, apareceu o homem-massa. Desafiou as regras ameaçadoramente — ele poderia até partir pra briga, né? Na ameaça — ALGUM PROBLEMA? — estava incluída a possibilidade de agredir alguém pra fazer valerem seus ‘direitos’.

Você diz pra ele que não tem problema, está tudo bem. Criou-se um clima desfavorável. Ele arma as bolas e fica jogando. De vez em quando dá umas olhadas meio de provocação pra você e os seus amigos. Mais tarde, ele cansou e saiu. Um amigo vai atrás e tenta explicar pra ele e a mulher as regras da sala de sinuca. Eles ouvem como se tudo fosse de um outro mundo. Vão embora cientes de que estavam certos e que têm direitos iguais, mesmo que seja preciso entortar os direitos dos outros.

Eis o homem-massa. É aquele que vai jogar futebol-suíço e, quando dizem pra ele que só pode jogar de tênis, ele responde: — Vou jogar de chuteiras com travas de aço. ALGUM PROBLEMA? No trânsito ele é o rei do mundo. Fecha cruzamento, estaciona em fila dupla, em local proibido, no lugar dos idosos, não dá vez pra outro, buzina adoidado. Sempre ele — acima de tudo, antes de tudo, melhor que todos. E dá até tiro em alguém pra que isso aconteça.

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#ForaBozo!

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Brasileiros querem que Bolsonaro fique na Rússia até o fim do mandato para evitar a guerra

Jair Bolsonaro se gabou por dias que sua viagem à Rússia na última semana fez com que o país retirasse suas tropas da fronteira com a Ucrânia. “Coincidência ou não”, disse ele, sua visita interrompeu a guerra.

Com as tensões chegando a um ponto sem retorno nos últimos dias, uma ideia começou a ganhar força no Brasil: mandar Jair para Moscou e deixá-lo lá até o fim do mandato. A ONU já se colocou a favor. Analistas de inteligência militar dizem que as tropas dos dois países e da OTAN ficariam paralisadas para assistir as asneiras que Jair faz e fala.

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Espada no bucho

Bucho, a dobradinha da culinária tradicional brasileira, nada tem a ver com o feito deste capítulo. Serve apenas para descrever o local em que o instrumento cutucou o corpo da, como diriam os sanguíneos jornais daqueles tempos, indigitada vítima.

Estabeleça-se desde logo o local do duelo, havido na Curitiba dos anos 1980, em Santa Felicidade. Com justificada fama, estava lá instalado um restaurante chamado Costela do Amantino, em que eram servidas porções generosas da iguaria, a desmanchar na boca dos fregueses como manjares dignos de paxá.

Constava da lenda urbana ter o bíblico Adão, conhecedor profundo das virtudes costelares, provado e aprovado com louvor o assado em epígrafe.

E Amantino, o costeleiro, quem seria? Soube-se depois que se tratava de um sobrevivente da 2ª Guerra, a recordar como o personagem de Fernando Brant e Milton Nascimento, em Conversando no Bar, da campanha da Itália e do tiro, que levou. Ou não.

Hermann Sheffield, amigo meu, trabalhava à época em uma empresa de publicidade, conhecida também por feitos cívicos, entre as quais dar feições à Campanha das Diretas Já. Tudo era motivo para que se comemorasse, eis que o país estava em vias de reencontrar a democracia.

O cenário era perfeito. Na costelaria todos se lambuzariam, a carne era farta como personagens de Federico Fellini. Os brindes seriam erguidos, os copos tintilariam. A noite prometia a glória.

Os romances de Capa/Espada mostram que em tais horas surge o mocinho, libertador da jovem mantida em algum cativeiro insalubre como pena por seu amor maldito. Eis que ele se materializa no ambiente.

Não na forma de um príncipe encantado, mas na de um office-boy, já dominado por algumas caipirinhas e estimulado pela porção subversiva daquela empresa, o pessoal da área criativa.

O herói sobe na mesa em que eram servidas as porções da Eva e se dá ao direito de pronunciar um discurso. Eram poucas palavras, ainda que de fundada importância. Do alto daquela pirâmide, ou melhor, da rústica plataforma, entoa seu grito de guerra:

     “Está criado o Partido Socialista Operário dos Offices-boys do Brasil”.

As batidas das mãos sobre a mesa mambembe fizeram tremer o chão: eram pequenos aplausos bêbados. Alguns gritaram “apoiado”, outros riram. Uma cena de pastelão, não fosse a reação do nervoso proprietário do pedaço. Aos berros, exigiu a derrubada do rapaz, a dizer, sua saída da napoleônica posição sobre a mesa.

Hermann, homem precavido, nada voltado aos prazeres dionisíacos, tomado pela indignação dos justos, enfrenta de peito aberto aquele suserano das costelas.

O agressor recuou de forma estratégica para se colocar atrás do balcão. Do fundo da churrasqueira, puxou um espeto e desferiu a ameaça nos intestinos do desarmado Hermann Sheffield.

Bem, vamos concordar: na história da literatura jamais alguém usou expressão tão tacanha como “desferiu uma ameaça”. Desfere-se golpes, como se sabe.

O intimorato homem das letras, encurralado entre paredes, nada disse, nem tempo houve para tanto. O filho do espadachim entrou em ação, convenceu o pai a devolver o florete às profundezas do fogo e deu por encerrada a ameaça. Inclusive o festim do office-boy.

Ao pobre Hermann, além de sua parte no repasto, restou a humilhação de pedir um banheiro. Aqueles do restaurante não serviriam ao propósito, estavam submersos pela incontinência urinária da freguesia. Então, no reservado do próprio soldado das forças brasileiras, nosso herói sentou aliviado. Sem precisar fazer força, assistiu à debandada das suas entranhas, apavoradas pela ponta daquele espeto assassino.

*Ernani Buchmann

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Dom Laudêmio de Orleans e Bragança

Quem compra um imóvel no Primeiro Distrito de Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, deve pagar uma taxa de 2,5% sobre o valor à Companhia Imobiliária de Petrópolis, administrada por descendentes do imperador Dom Pedro II. É o chamado laudêmio — ou “taxa do príncipe” —, criado em meados do século 19 para compensar a Coroa Portuguesa pelo incentivo ao povoamento da região.

A história da instituição do laudêmio tem início em 1830, quando D. Pedro I comprou uma propriedade, chamada Fazenda do Córrego Seco, no que hoje é o Primeiro Distrito de Petrópolis, com a intenção de construir uma casa de veraneio. Com a sua morte, em 1834, o terreno foi herdado por D. Pedro II, que nove anos depois decidiu também pelo arrendamento da região, com o objetivo de ocupá-la de forma planejada. Foi assim que nasceu Petrópolis — e com ela, a “taxa do príncipe”.

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Fraga

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